Recordando o Passado
Meus amigos e leitores.
Decorridos que são 44 anos, pretendo fazer uma simples homenagem a uma família, humilde, nobre de sentimentos, generosa, para quem tenho uma enorme dívida de gratidão. Como diz o povo: mais vale tarde que nunca.
É meu desejo, neste modesto blog, exprimir e exteriorizar aquilo que me vai na alma e o meu coração pede, e neste presente momento, mais não é do que partilhar convosco alguns episódios marcantes da minha vida, que considero dignos de registo.
Tal como o título indica, a inspiração e gratidão move-me no sentido de vos dar a conhecer o elevado sentido de generosidade desta família, toda ela imbuída de nobreza de sentimentos, de fácil relacionamento e sempre prontos a ouvir e agir, conforme a situação assim o exigisse, enquanto procurados por quem quer que fosse.
Em Janeiro de 1967, com apenas 17 anos de idade, depois de ter desistido dos estudos, inscrevi-me como voluntário para assentar praça na Armada Portuguesa. Impunha-se cumprir o serviço militar, dever cívico que a Pátria nos requeria. Respondi a este chamamento com alto grau de imaturidade, jovem, mesmo muito jovem, pois só fiz os 17 anos em 18 de Fevereiro.
Depois de rigorosos testes escritos e exames médicos, fui considerado apto e alistado em 9 de Janeiro de 1967.
Carregado com a inexperiência com que a juventude me brindava, viajei com destino a Lisboa, mundo completamente desconhecido. Levava na bagagem um universo de ilusões, carregando comigo a responsabilidade de enfrentar um meio desconhecido, nebuloso, mas ao mesmo tempo, aliciante e com objectivos bem definidos. Diz o poeta que o sonho comanda a vida. Foram exactamente esses sonhos que me levaram a seguir este percurso.
A viagem correu com absoluta normalidade. Cheguei a Lisboa, Estação dos Caminhos-de-ferro de Santa Apolónia, entrei num Táxi que me transportou à Casa do Marujo, sita na Rua do Arsenal, onde pernoitei. Recordo-me que paguei pela dormida 50 centavos (moeda escudos).
Na manhã seguinte, bem cedo, levantei-me, peguei na minha singela mala e desloquei-me para a Doca da Marinha no Terreiro do Paço, embarcando numa Vedeta (barco da Marinha para transporte de pessoal), que me levou ao Alfeite.
Chegado às instalações da Marinha, Grupo nº2 de Escolas da Armada, recebi o respectivo fardamento, raparam-me o cabelo, dando então início ao serviço militar. No final do dia, saí para então regressar no dia seguinte.
Regressei a Lisboa pelo mesmo meio de transporte. Cheguei à Praça do Comércio e interroguei-me:
- Que fazer agora? Não conheço ninguém! Apenas sei que me encontro no Terreiro do Paço, à entrada da Doca da Marinha. Recorri então ao número de telefone, que num pequeno pedaço de papel havia sido escrito pelo meu pai e cujo fim era o de me socorrer da ajuda da Srª Gracinda Dias, conterrânea que já há muito residia na capital. Entrei numa cabine telefónica, disquei o número e do outro lado respondeu-me uma voz familiar que alegrou o meu estado de espírito.
- Srª Gracinda, sou o Manuel do Silvino de Parada. Encontro-me neste local, sem saber bem o que fazer.
Esta, afável como sempre, retorquiu-me:
- Olha filho mantêm-te aí, pois dentro de minutos estará aí o meu filho João, para te trazer. Senti uma alegria muito grande, sabia que a partir deste momento já estava com a minha gente. Assim aconteceu, o João veio ter comigo, levando-me para casa de sua mãe, onde fui recebido como um filho. A partir desse momento nunca mais me abandonaram, transmitiram-me sempre apoio em todo o meu percurso que vos passo a relatar.
No seio desta maravilhosa família, fui, passo a passo, conhecendo a cidade. Visitava-mos também outros conterrâneos que habitava em Lisboa; recordo-me de visitar o Tonecas e a Conceição no Lumiar, o Ramiro e a Germina, o Daniel e a Olinda e tantas outras pessoas por quem nutro grande carinho e amizade.
Aqui senti que estava rodeado de amigos genuínos, que ainda hoje, felizmente conservo.
Esta família modesta, cujas agruras e dificuldades de então, obrigou a deixar a sua querida aldeia e procurar sustento noutras paragens, transformou-se numa autêntica família de acolhimento e porto de abrigo, para todos quantos, tal como eu, os procuravam na capital. Para além de mim próprio, atrevo-me a falar em nome de tantos outros conterrâneos, pois estou certo que eles, assim como eu, beneficiámos da enorme generosidade que habitava o coração daquela família e assinamos, em conjunto, esta singela homenagem.
Num encontro que tive, recentemente, com o Fernando (Fernando do Zé Leão) e com o Adérito, (Adérito do Didá), dei-lhes conta do que me propunha fazer. Estes de imediato me incentivaram, pois comungam do mesmo sentimento e posso garantir aos meus leitores que serei o fiel intérprete de conterrâneos e foram muitos, mesmo muitos que como eu foram acolhidos por esta família.
A Srª Gracinda e o seu marido Sr. Armindo, infelizmente, já não pertencem ao mundo dos vivos. Que DEUS vos tenha no céu, pois foram o exemplo vivo da comunhão e partilha com o próximo.
Encontram-se sepultados no cemitério de Parada, junto à campa dos meus pais. Sempre que ali me desloco, presto-lhes também o meu tributo, com as minhas orações.
Foi aquele maravilhoso casal, abençoado com o nascimento de seis filhos; - João, Manuel, Armindo, Maria, António e Pedro.
A todos eu adoro por igual. Permitam-me contudo que, de entre vós, eu seleccione o vosso irmão António, pois desde há muitos anos, como também é do vosso conhecimento, que eu o elegi como o meu melhor amigo. Mais adiante, poderão os meus leitores, ficar a saber o porquê da minha amizade fraterna com o António.
Há um elemento da família que também quero presente nesta homenagem; trata-se do avô Aníbal.
- Pensavam que me esquecia dele? Não meus meninos, era de todo impensável que tal acontecesse. Por ele, que sempre me acarinhou e sei que era um homem bom, trabalhador, honesto e fraterno, dirijo minhas preces a DEUS, rogando que o tenha no Seu seio.
Falando um pouco destes maravilhosos filhos, vou dirigir-me a cada um tentando demonstrar o porquê de tanta amizade.
- Meu amigo João; foste sempre aquele indivíduo simples e bonacheirão, com quem todos gostávamos de brincar. Recordas-te da viagem que fizemos a Bragança, no Carocha?
O regresso a Lisboa levou três longos dias. Transportávamos connosco um cordeiro vivo que tanto trabalho nos deu. Suportámos estoicamente o cheiro, dormimos no carro em Trancoso e para finalizar ainda nos aconteceu aquele episódio da pistola em Rio Maior. Lembras-te?
- Manuel; tu impressionavas-me com o teu alto grau de profissionalismo. Na Betesga, tu o Mendes e o Careca, formavam um trio extraordinário. Tenho saudades desse tempo. Sempre nos recebias com um sorriso. O teu carinho era contagiante aos teus colegas e a todos quantos contigo conviviam.
- Armindo; tu sendo o intelectual da família eras também um “bon vivant”. Que belas recordações tenho, de quando chegavas a casa, tratavas a tua mãe com especial carinho e depois das refeições nos convidavas para dar uma volta nos teus bólides, sempre bem apetrechados, boa música ambiente… proporcionaste-me momentos agradáveis os quais nunca esquecerei. Mais tarde quando te procurava, tinhas sempre tempo e disposição para falar um pouco da actualidade. Divergia-mos na cor clubista pois tu és um Grande Sportinguista. Dos teu carros recordo o Ford, o Taunus enfim tantos outros.
- Tu, Maria, eras uma menina encantadora, carinhosa, trabalhadora, por isso apareceu um galifão chamado Ferreira que teve o privilégio de te conquistar e ainda hoje ser teu marido. Acompanhei o vosso namoro, vocês foram sempre pessoas de trato fino e por isso constituíram uma família linda.
- António, não sei bem como começar a falar sobre nós. Tu tens uma personalidade muito forte, vincada, por alguns apelidada de mau feitio, mas eu penso precisamente o contrário. Dizes o que sentes, és directo, justo e imparcial. Para falar da nossa amizade e da minha gratidão para contigo e porque não quero pormenorizar, limito-me a falar de espaço temporal. Durante o ano de 1974, 1975, só um HOMEM com o teu carácter dava o apoio a um amigo caído no infortúnio. A tua generosidade transbordou, senti que estiveste sempre a meu lado e nunca mais vou esquecer. Acredita amigo, serás eternamente o meu maior AMIGO. Muitas outras coisas podia descrever para ilustrar os sentimentos que nos unem, dispenso-me de o fazer, porque nós sabemos bem aquilo a que nos referimos.
- Para ti Pedro o mais novo da família, apenas quero referir um episódio demonstrativo da amizade que nos une. Um belo dia, penso que talvez não me engane na data, 10-02-1976, subi ao 1º andar da Avenida Duque D’Ávila nº 119-1º em Lisboa. Ao entrar em casa andavas a fazer uns concertos de electricidade, já muito que não me vias e a surpresa foi de tal ordem, que atiraste com tudo ao chão, não trabalhaste mais, demos largas à alegria de ambos, a tua mãe deu-nos o almoço e de seguida fomos correr ao encontro dos teus irmãos. Começámos pelo Armindo que, na altura, era vendedor de colchões em Moscavide e não nos separamos em todo dia. Este episódio que eu guardo como recordação é demonstrativo da nossa amizade.
Enquanto elementos, felizmente ainda vivos, da família que agora homenageio, rogo recebam o meu mais sentido obrigado por tudo quanto, vossos pais e vocês, me fizeram. Este meu texto, acima de tudo, pretende ser uma Homenagem, uma Memória, uma viagem no tempo.